O Poema

A zero hora já me bateu,
A cama fria e funesta me espera,
Meu corpo gélido é o de pantera
Que numa batalha sangrenta venceu
Um leão irado dentre outras feras.
A frieza mortal de um vento a soprar
Deixa mais lúgubre toda escuridão,
Meu sono tranqüilo demora chegar
Perdido em noites de outras esferas
Eu, espero ansioso do dia, o clarão.
A zero hora já me passou,
Este gelo sombrio é um fio de espada
Que corta a cabeça pensante prostrada,
E a mente confusa que um dia pensou
Agora caída, não pensa em mais nada.
E o corpo magro da menina tão bela
Repousa sereno em uma cama distante,
A menina formosa, tão linda e singela
Traz nos lábios de Rosa uma doçura encantada
E luz celestial em seus olhos brilhantes.
Passa de arrasto a noite inteira
Meus olhos abertos, vermelhos, cansados,
Meu sono de Anjo já foi dispersado,
Minha cara de lobo revela as olheiras,
Meu corpo padece sozinho... encostado...
Minha alma vagueia errônea... perdida...
Por uma doença nas juntas dos ossos,
Um verme passeia no pus da ferida
E os ossos estão, todos eles, quebrados
Amontoados... fedendo em pó e destroços.
Eu vou caminhando na curva da estrada,
A noite me espanta tenebrosa e fria,
Me atormenta; me enlouquece de agonia
E uma navalha maléfica afiada
Corta a saída sangrenta de minha fobia.
Negativo e mau é o meu pensamento
Quando tão só estou eu a escrever,
Minhas palavras inteiras são um caimento
Ao âmbar profundo... fatal letargia...
Vômito podre que não se pode conter.
Vou caminhando lentamente... sem rumo...
À beira da estrada e já muito cansado
Me sento sozinho de corpo prostrado
Que deixa minha alma fora do prumo
E na terra tão quente meu rosto molhado:
A poeira marrom emudece minha voz
O suor a escorrer faz brilhar o meu corpo,
Na mente insana um pensamento atroz
Me deixa confuso e mais perturbado
E caído ali, mais pareço um morto...
E o vento a soprar pela curva da estrada
Levanta a poeira leve e vermelha,
E neste pó seco minha vida s'espelha
Pois no fim disso tudo me transformo em nada
E torno ao pó que a mim se assemelha.
Me levanto doente e andando de novo
Vou errante e lento almejando o fim,
Vou pisando em nuvens e pedras de fogo
Ouvindo um som sepulcral na orelha
De uma voz inflamada chamando por mim.
Um verme sombrio e fedorento espera
Que minha carne morrendo retorne ao chão
Para que possa devorar-me na real podridão
Com toda a fome de um cão ou, de fera
Quem sabe, um tigre, talvez, um leão...
Mas, meu corpo vai caminhando doente
Tropeçando e caindo não quer se entregar,
Na indecisão se perde a minha mente
Porque os meus passos na escuridão
Não sabem onde, nem quando chegar...
Então, ai de vós, ó escarnecedores
Que zombam se rindo das dores e ais,
Vós, colhereis, é o que semeais
E serão tuas as minhas dores...
Saro meu corpo, e vós, pranteais!!!
Então, ai de vós, mulheres malditas
Qu'escarraram o cuspe em meu roto sofrido,
Pensais que são deusas belas... bonitas...
Enquanto sois bruxas lerdas e bestiais
Que agonizam desgosto em prantos gemidos.
Então, ai de vós, que dão risos rasgados
Aos que caminham errantes pela estrada
Arrastando-se lentos rumo ao nada
Que pelo frio, se vão congelados
Com fome e sede na madrugada,
Pois são os Poetas sem amor e alegria,
Sem sua pena, sem verso ou, papel,
Possuem, talvez, somente a Poesia
E não mais do que uma noite enluarada
E um copo horrendo cheio de fel.
Nesta noite funesta... escura e fria
Ergo a mão empunhando minha pena
Para escrever-vos o verso... o poema
O meu pensamento e talvez, Poesia
A morbidez, a loucura e o dilema...
Não sou ourives de frases e versos
Mas, sou pirata procurando tesouros
Lançando aos ares pensamentos dispersos
Levando ao peito o coração como emblema
Que sobe ao mastro numa bandeira de ouro.

 

[Dado Martins, (Cidade de Nova Londrina, Estado do Paraná, Brasil, 1973-)]

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