DA

Viatges| sèrieAlfa 97

 

   

Imatge: Miquel de Renzi

 

 

Claudio Daniel

 

 

Letra negra (Dez fragmentos)

 

Lletra negra (Deu fragments)

Letra negra (Diez fragmentos)

Lettre noire (Dix fragments)

 

 

 

PORT

Letra negra

(Dez fragmentos)

 

Comigo e contra mim e entre os meus dedos

— Augusto de Campos

 

 

I

 

escuto escuro — sombras surdas —

no espaço espesso

lodo torvo

de um tempo esquivo

em que começo e recomeço

o pugilato

comigo mesmo

luta ou luto

que me cega e segue

como treva ou trava

ao vento curvo.

 

 

II

 

verde é o segredo

verde é o silêncio

 

escrito em cicatriz

escrito em anti-flor-de-lis

 

— para a necessária

abolição de mim —

 

 

III

 

estou morto e não-morto

vértebras ao inverso

letras tontas

de um nome incerto

vocábulo equívoco

desfeito em água

— para a necessária

abolição de mim —

escuto espesso — sombras mudas —

no escuro escuro.

 

 

IV

 

nada me aquieta

entre espectros

de palavras-coisas:

 

anêmonas trafegam

pensamentos rotos,

roídos até o muco

 

— eis a era desolada

de cortes e recortes

tempo-cutelo

 

no espaço lacerado

pele-de-lua violada

por línguas-gárgulas

 

lua-esfinge-macerada

por caninos cérberos:

tempo nigromante

 

corvo corvo corvo

recrocitando escárnios.

 

 

V

 

“quando nada mais faz sentido” —

busco o mistério animal,

a ferocidade da noite:

deslizando por meus lábios,

ela se transforma, revoluta,

desentranhada, não me decifra,

não te devoro, abisma fábulas

na desordem dos cabelos;

entre pupilas, expandindo luas,

tensionando a pele, na cegueira dos mamilos.

 

 

VI

 

floresta de enganos, se me esmagam,

furiosos, com simulações,

é tua face que me escapa à pele;

se atravesso veredas infernais,

desalentado, paisagem de fraturas,

é apenas para encontrar-te,

tua imagem reversa é o meu labirinto.

 

 

VII

 

espaço vegetal, tempo lagarto:

mãos fluidas; voz movediça;

olhos de musgo, na pedra;

quem sou eu, nessa era líquida,

menos homem que número,

letra negra, fragmento do caos,

movendo-me à roda de teu nome?

 

 

VIII

 

flutuantes territórios

em que tudo é ambíguo;

larvais estatuetas, jades

instáveis, refratando ínferos.

 

 

IX

 

mulher-esfinge

disposta em meu sangue —

incisiva, configurada ao sol de duas faces,

quem é você, jardim, jaspe ou pesadelo,

serpe cabalística em cada unha,

tudo instável, tudo música e insanidade,

mas teu seio afundando em minha boca.

 

 

X

 

mulher-enigma

espelhada em meus ossos,

frequentá-la, cada mistério,

umbigo e cabelos, de sua caligrafia

de reversos: inventá-la, reinventá-la

pétala, centaura, lupina, traqueia, tempestade.

 

 

XI

 

porque só o raro me interessa, na era da banalidade.

 

Claudio Daniel, pseudônimo de Claudio Alexandre de Barros Teixeira, é poeta, romancista e professor de literatura. Nasceu em 1962, na cidade de São Paulo (SP). Cursou o mestrado e o doutorado em Literatura Portuguesa na Universidade de São Paulo (USP). Realizou o pós-doutoramento em Teoria Literária pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Foi diretor adjunto da Casa das Rosas, Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura, curador de Literatura no Centro Cultural São Paulo e colunista da revista CULT. Atualmente, Claudio Daniel é editor da revista eletrônica de poesia e artes Zunái, do blog Cantar a Pele de Lontra e ministra aulas online de criação literária no Laboratório de Criação Poética.  Publicou diversos livros de poesia, ensaio e ficção, entre eles Cadernos bestiais: breviário da tragédia brasileira, Portão 7 e Marabô Obatalá, todos de poesia, o livro de contos Romanceiro de Dona Virgo e o romance Mojubá.

 

 

97

 

CAT

Lletra negra

(Deu fragments)

 

Amb mi i contra mi i entre els meus dits

Augusto de Campos

 

 

I

 

escolto fosc —ombres sordes—

en l’espai espès

llot terrible

d’un temps esquiu

en què començo i recomenço

el pugilat

amb mi mateix

duel o dol

que em cega i segueix

com tenebra o trava

al vent corb.

 

 

II

 

verd és el secret

verd és el silenci

 

escrit en cicatriu

escrit en anti flor de lis

 

per a la necessària

abolició de mi

 

 

III

 

estic mort i no-mort

vèrtebres al revés

lletres ximples

d’un nom incert

vocable equívoc

desfet en aigua

per a la necessària

abolició de mi

escolto espès ombres mudes

en el fosc fosc.

 

 

IV

 

res no m’aquieta

entre espectres

de paraules-coses:

 

anemones trafiquen

pensaments trencats,

rosegats fins al mucus

 

vet aquí l’era desolada

de talls i retalls

temps-ganiveta

 

en l’espai lacerat

pell de lluna violada

per llengües-gàrgoles

 

lluna-esfinx-macerada

per canins cerbers:

temps nigromant

 

corb corb corb

regrallant escarnis.

 

 

V

 

“quan res ja no té sentit”

busco el misteri animal,

la ferocitat de la nit:

lliscant pels meus llavis,

ella es transforma, revoltada,

desentranyada, no em desxifra,

no te devoro, abisma faules

en el desordre dels cabells;

entre pupil·les, expandint llunes,

tesant  la pell, en la ceguesa dels mugrons.

 

 

VI

 

forest d’enganys, si m'aixafen,

furiosos, amb simulacions,

és el teu rostre que se m'escapa en la pell;

si travesso senderes infernals,

extenuat, paisatge de fractures,

és només per trobar-te,

la teva imatge al revers és el meu laberint.

 

 

VII

 

espai vegetal, temps llangardaix:

mans fluides; veu movedissa;

ull de molsa, en la pedra;

¿qui soc jo, en aquesta era líquida,

menys home que nombre,

lletra negra, fragment del caos,

movent-me en la roda del teu nom?

 

 

VIII

 

fluctuants territoris

en què tot és ambigu;

larvals estatuetes, jades

inestables, refractant ínfers.

 

 

IX

 

dona-esfinx

disposada en la meva sang

incisiva, configurada al sol de dues cares,

qui ets tu, jardí, jaspi o malson,

serp cabalística en cada ungla,

tot inestable, tot música i insània,

però la teva sina enfonsant-se en la meva boca.

 

 

X

 

dona-enigma

emmirallada en els meus ossos,

freqüentar-la, cada misteri,

melic i cabells, de la seva cal·ligrafia

de reversos: inventar-la, reinventar-la

pètal, centaura, lloba, tràquea, tempesta.

 

 

XI

 

perquè sols allò que és rar m’interessa, en l’era de la banalitat.

 

Claudio Daniel, pseudònim de Claudio Alexandre de Barros Teixeira, és poeta, novel·lista i professor de literatura. Va nàixer en 1962, a la ciutat de São Paulo (SP). Llicenciat i doctorat en Literatura Portuguesa per la Universitat de São Paulo (USP). Va fer el postdoctorat en Teoria Literària a la Universitat Federal de Minas Gerais (UFMG). Fou director adjunt de la Casa das Rosas, Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura, curador de Literatura en el Centre Cultural São Paulo i columnista de la revista CULT. Actualment, Claudio Daniel és editor de la revista electrònica de poesia i arts Zunái, del bloc Cantar a Pele de Lontra i fa classes online de creació literària en el Laboratório de Criação Poética. Ha publicat diversos llibres de poesia, assaig i ficció, entre els quals Cadernos bestiais: breviário da tragédia brasileira, Portão 7 i Marabô Obatalá, tots  de poesia, el llibre de contes Romanceiro de Dona Virgo i la novel·la Mojubá.

[Traducció: Joan Navarro]

 

 

97

 

ESP

Letra negra

(Diez fragmentos)

 

Conmigo y contra mí y entre mis dedos

— Augusto de Campos

 

 

I

 

escucho oscuro —sombras sordas—

en el espacio espeso

lodo terrible

de un tiempo esquivo

en que comienzo y recomienzo

el pugilato

conmigo mismo

lucha o luto

que me ciega y sigue

como tiniebla o traba

al viento curvo.

 

 

II

 

verde es el secreto

verde es el silencio

 

escrito en cicatriz

escrito en anti flor de lis

 

para la necesaria

abolición de mí

 

 

III

 

estoy muerto y no-muerto

vértebras al revés

letras tontas

de un nombre incierto

vocablo equívoco

deshecho en agua

para la necesaria

abolición de mí

escucho espeso sombras mudas

en el oscuro oscuro.

 

 

IV

 

nada me aquieta

entre espectros

de palabras-cosas:

 

anémonas trafican

pensamientos rotos,

roídos hasta el mucus

 

he aquí la era desolada

de cortes y recortes

tiempo-cuchilla

 

en el espacio lacerado

piel de luna violada

por lenguas-gárgolas

 

luna-esfinge-macerada

por caninos cerberos:

tiempo nigromante

 

cuervo cuervo cuervo

regraznando escarnios.

 

 

V

 

“cuando nada ya no tiene sentido”,

busco el misterio animal,

la ferocidad de la noche:

deslizándose por mis labios,

ella se transforma, amotinada,

desentrañada, no me descifra,

no te devoro, abisma fábulas

en el desorden de los cabellos;

entre pupilas, expandiendo lunas,

tensionando  la piel, en la ceguera de los pezones.

 

 

VI

 

floresta de engaños, si me aplastan,

furiosos, con simulaciones,

es tu rostro que se me escapa en la piel;

si atravieso veredas infernales,

extenuado, paisaje de fracturas,

es solo para encontrarte,

tu imagen al reverso es mi laberinto.

 

 

VII

 

espacio vegetal, tiempo lagarto:

manos fluidas; voz movediza;

ojo de musgo, en la piedra;

¿quién soy yo, en esta era líquida,

menos hombre que número,

letra negra, fragmento del caos,

moviéndome en la rueda de tu nombre?

 

 

VIII

 

fluctuantes territorios

en que todo es ambiguo;

larvales estatuitas, jades

inestables, refractando ínferos.

 

 

IX

 

mujer-esfinge

dispuesta en mi sangre,

incisiva, configurada al sol de dos caras,

quién eres, jardín, jaspe o pesadilla,

serpiente cabalística en cada uña,

todo inestable, todo música e insania,

pero tu seno hundiéndose en mi boca.

 

 

X

 

mujer-enigma

reflejada en mis huesos,

frecuentarla, cada misterio,

ombligo y cabellos, de su caligrafía

de reversos: inventarla, reinventarla

pétalo, centaura, loba, tráquea, tormenta.

 

 

XI

 

porque solamente lo raro me interesa, en la era de la banalidad.

 

Claudio Daniel, seudónimo de Claudio Alexandre de Barros Teixeira, es poeta, novelista y profesor de literatura. Nació en 1962, en la ciudad de São Paulo (SP). Licenciado y doctorado en Literatura Portuguesa en la Universidad de São Paulo (USP). Hizo el posdoctorado en Teoría Literaria por la Universidad Federal de Minas Gerais (UFMG). Fue director adjunto de la Casa das Rosas, Espacio Haroldo de Campos de Poesía y Literatura, curador de Literatura en el Centro Cultural São Paulo y columnista de la revista CULT. Actualmente, Claudio Daniel es editor de la revista electrónica de poesía y artes Zunái, del blog Cantar a Pele de Lontra y da clases online de creación literaria en el Laboratório de Criação Poética. Ha publicado diversos libros de poesía, ensayo y ficción, entre los cuales Cadernos bestiais: breviário da tragédia brasileira, Portão 7 y Marabô Obatalá, todos  de poesía, el libro de cuentos Romanceiro de Dona Virgo y la novela Mojubá.

 

[Traducción: Joan Navarro]

 

 

97

 

FR

Lettre noire

(Dix fragments)

 

Avec et contre moi et entre mes doigts

— Augusto de Campos

 

 

I

 

j’écoute obscur —ombres sourdes—

dans l’espace épais

fange sinistre

d'un temps insaisissable

dans lequel je commence et recommence

le pugilat

avec moi-même

duel ou deuil

qui m’aveugle et me suit

comme obscurité ou obstacle

dans le vent courbe.

 

 

II

 

vert est le secret

vert est le silence

 

écrit en cicatrice

écrit en anti-fleur de lys

 

 

—pour la nécessaire

abolition de moi—

 

 

III

 

je suis mort et non-mort

vertèbres à l’envers

lettres niaises

d’un nom incertain

vocable équivoque

défait dans l’eau

—pour la nécessaire

abolition de moi—

j’écoute sombrement—ombres muettes—

dans l’obscurité obscure.

 

 

IV

 

rien ne me calme

entre spectres

de paroles-choses :

 

des anémones trafiquent

des pensées brisées

rongées jusqu’au mucus

 

—voici l’ère désolée

de coupures et découpures

temps-couteau

 

dans l’espace lacéré

peau de  lune violée

par des langues-gargouilles

 

lune sphynx-macérée

par des cerbères canins :

temps nigromant

 

—corbeau, corbeau, corbeau

regraillant des railleries.

 

 

V

 

quand rien n’a plus de sens”—

je cherche le mystère animal,

la férocité de la nuit:

glissant sur mes lèvres,

elle se transforme, agitée,

étripée, elle ne me déchiffre pas,

je ne te dévore pas, jette dans l’abîme des fables

dans le désordre des cheveux;

entre pupilles, dilatant des lunes,

tendant la peau, dans la cécité des mamelons.

 

 

VI

 

forêt de tromperies, si elles m'écrasent,

furieuses, avec des simulations,

c’est ton visage qui échappe à ma peau;

si je traverse des chemins infernaux,

exténué, paysage de fractures,

c’est juste pour te trouver,

ton image inversée est mon labyrinthe.

 

 

VII

 

espace végétal, temps lézard :

mains fluides; voix mouvante ;

œil de mousse, dans la pierre ;

qui suis-je, dans cette ère liquide,

moins homme que nombre,

lettre noire, fragment du chaos,

me déplaçant dans la roue de ton nom?

 

 

VIII

 

fluctuants territoires

tout est ambigu

statuettes larvaires, jades

instables, réfractant infères.

 

 

IX

 

femme-sphinx

disposée dans mon sang—

incisive, configurée dans le soleil à deux faces,

qui es-tu, jardin, jaspe ou cauchemar,

serpent cabalistique dans chaque ongle,

tout est instable, tout est musique et insanité,

mais ton sein s’enfonçant dans ma bouche.

 

 

X

 

femme-énigme

reflétée dans mes os,

la fréquenter, chaque mystère,

nombril et cheveux, de sa calligraphie

de revers : l’inventer, la réinventer

pétale, centaure, louve, trachée, tempête.

 

 

XI

 

parce que seul m’intéresse ce qui est rare, dans l’ère de la banalité.

 

Claudio Daniel, pseudonyme de Claudio Alexandre de Barros Teixeira, est poète, romancier et professeur de littérature. Il est né en 1962, à São Paulo (SP). Il est titulaire d’une licence et d’un doctorat en littérature portugaise à l'Université de São Paulo (USP). Il a fait son post-doctorat en théorie littéraire à l'Université fédérale de Minas Gerais (UFMG). Il a été directeur adjoint de la Casa das Rosas, Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura, conservateur de littérature au Centre culturel de São Paulo et chroniqueur pour le magazine CULT. Actuellement, Claudio Daniel est éditeur de la revue électronique de poésie et d'arts Zunái, du blog Cantar a Pele de Lontra et enseigne des cours de création littéraire en ligne au Laboratório de Criação Poética. Il a publié plusieurs recueils de poésie, dont Cadernos bestiais : breviário.

 

[Traduction : Dolors Català]

 

 

97

 

 

Durs Grünbein 

 

 

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