Modulações


I.
 

enquanto escuto a rua

rarear seus ruídos

um frio percorre meu corpo

e se instala

ali onde meus pés terminam

 

não posso chegar até a porta

e a exata distância

que me salva da janela

extravasa um rio de memórias

escuras

onde o ar denso avoluma-se

e se mistura com o carpete

 

sou mais um vulto amedrontado

um amontoado de pele e peso

arrastando-se por um espaço exíguo

onde ninguém mais me vê 
 

II.
 

visto a calça

não tenho pra onde ir

as calçadas úmidas de um dia todo

de chuva e o céu

de um cinza sangrento

lamentam meu olhar sem coragem

careço de um ímpeto mínimo

que me faça mover a maçaneta

e encarar

a luz do dia

expondo o meu sem destino

e minhas noites mal dormidas  

 

III.
 

superar

a tristeza de não ter mais você

e seguir como se o rio esquecesse o leito antigo

 

procuro as palavras para te cobrir

mas me faltam letras

tropeço nas sílabas do teu nome

(mesmo que já não possa lembra-lo inteiro)


já vivo sem você

costuro cavalgo comungo

só não sei

como partir inteira

retomar pedaços

fatias

de um corpo que foi meu 


(as marcas da história de cada um)

 

as marcas da nossa história

emolduram

um jeito velho de ser

um jeito esquecido e velho

de ser mulher 

 

IV.
 

desisto de te amar

por uns instantes olho a madrugada

que colore de cinza as estradas

da minha cabeça

temos poucos anos e uma bagagem densa

onde usamos guardar álbuns, souvenirs

marcamos a terra molhada com nossas havaianas

poucos quilômetros e uma história e trajetos incompletos

curtos

paisagens sem mar
 

 

[Annita Costa Malufe, Fundos para dias de chuva, Edit. 7Letras, 2004]

 

Modulacions


I.

 

mentre escolte el carrer
rarejar els seus sorolls
un fred recorre el meu cos
i s'instal·la
on els meus peus acaben

 

no puc arribar fins a la porta
i l'exacta distància
que em salva de la finestra
extravasa un riu de memòries
obscures
on l'aire dens esdevé voluminós
i es mescla  amb la catifa

 

sóc un embalum esglaiat més
un amuntegament de pell i pesantor
arrossegant-se per un espai exigu
on ningú més em veu

II.

em pose els pantalons
no tinc on anar
les calçades humides de tot un dia
de pluja i el cel
d'un cendrós sangonós
lamenten la meua mirada sense coratge
no tinc un ímpetu mínim
que em faça moure el pom
i afrontar
la llum del dia
exposant el meu sense destí
i les meues nits mal dormides

III.

superar
la tristesa de no tenir-te més
i seguir com si el riu oblidés el llit antic

busque les paraules per cobrir-te
però em falten lletres
ensopegue amb les síl·labes del teu nom
(encara que ja no puga recordar-lo sencer)

ja visc sense tu
cus cavalque combregue
sols no sé
com marxar sencera
recuperar bocins
llesques
d'un cos que fou meu

(els senyals de la història de cadascú)

els senyals de la nostra història
emmarquen
una manera vella d'ésser
una manera oblidada i vella
de ser dona

 

IV.

desistesc d'estimar-te
per uns instants mire l'alba
que colora de cendra les carreteres
del meu cap
tenim pocs anys i un bagatge dens
on acostumem a guardar àlbums, souvenirs
marquem la terra mullada amb les nostres sandàlies hawaianes
pocs quilòmetres i una història i trajectes incomplets
curts
paisatges sense mar
 

 

[Traducció de Joan Navarro]

 

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