Peso do mundo

A poesia não é, nunca foi

uma enumeração ou composto

de exuberância, bondade,

altitude, nem arado

ou dádiva sobre chão

prenhe de mortos.

Nem o arrependimento

de Deus por ter criado o homem

com o rosto da sua memória,

ao lado dos seus vermes.

Tão-pouco fôlego dos que amam

abrindo a porta límpida

do corpo e chovendo sobre a terra,

ou carregam como tartarugas

o peso do mundo.

Nem reverência por um tigre,

pela leveza maligna de todas as patas,

pela sonolência junto à estirpe

aprisionada também

na dureza de ser tigre.

É o milagre de uma arma

total, de uma só palavra

reduzindo o átomo à completa inocência.

 

[António Osório, in A Ignorância da Morte]

 

| entrada | Llibre del Tigre | sèrieAlfa | varia | Berliner Mauer |