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[Chico Lopes]

 

 

Geografia

 

[Geografia]

[Geografía]

 

 

 

 

Geografia

 

O mais ignoto interior de Madagáscar,

florestas do Ceilão, cúpulas remotas

do mais remoto Iêmen, canções

dos pássaros de Papua, segredos

do vento em Singapura, sinos

de aldeias da Iugoslávia, nada

chega a fazer-me mágoa

por não haver viajado,

por não poder viajar.

As ilhas Seychelles são aqui,

dentro de mim, não além.

Afago em imaginação

o panda, as flores absurdas

de uma selva das Guianas

e, a um milímetro do real,

sob meu corpo exíguo

e minha exígua geografia,

urram tigres do Paquistão.

O conhecido, em verdade,

nunca se dá a conhecer

senão ao erro vicioso

que o crê capturado.

Aqui é o Nepal. A noite

da rua Trajano Machado

é hierática, indevassa

como a noite só suposta

das ruas de Adis-Abeba.

Estou sozinho e encerrado

dentro do pasmo de tudo

aqui como na Indonésia.

E nunca haverá outro mundo

mais impossível, encantado

que o sonhado por meus olhos

de menino arcaico

num quintal com pomar

da Antônio Sabino, 532,

de onde nunca emergi.

 

[Caderno Provinciano, Patuá, 2013] GEOGRAFIA


O mais ignoto interior de Madagáscar,
florestas do Ceilão, cúpulas remotas
do mais remoto Iêmen, canções
dos pássaros de Papua, segredos
do vento em Singapura, sinos
de aldeias da Iugoslávia, nada
chega a fazer-me mágoa
por não haver viajado,
por não poder viajar.
As ilhas Seychelles são aqui,
dentro de mim, não além.
Afago em imaginação
o panda, as flores absurdas
de uma selva das Guianas
e, a um milímetro do real,
sob meu corpo exíguo
e minha exígua geografia,
urram tigres do Paquistão.
O conhecido, em verdade,
nunca se dá a conhecer
senão ao erro vicioso
que o crê capturado.
Aqui é o Nepal. A noite
da rua Trajano Machado
é hierática, indevassa
como a noite só suposta
das ruas de Adis-Abeba.
Estou sozinho e encerrado
dentro do pasmo de tudo
aqui como na Indonésia.
E nunca haverá outro mundo
mais impossível, encantado
que o sonhado por meus olhos
de menino arcaico
num quintal com pomar
da Antônio Sabino, 532,
de onde nunca emergi.

(do Caderno Provinciano, meu livro de poesia, Patuá;SP, 2013)

 

 

 

Δ

 

 

Geografia

 

El més ignot interior de Madagascar,

boscos de Ceilan, cúpules remotes

del més remot Iemen, cançons

dels ocells de Papua, secrets

del vent a Singapur, campanes

d’aldees de Iugoslàvia, res

no arriba a entristir-me

per no haver viatjat,

per no poder viatjar.

Les illes Seychelles són aquí,

dins meu, no enllà.

Acaricio en la imaginació

el panda, les flors absurdes

d’una selva de les Guaianes

i, a un mil·límetre del real,

sota el meu cos exigu

la meva exigua geografia,

rugeixen tigres del Pakistan.

Allò conegut, en veritat,

mai no es dóna a conèixer

sinó a l’error corromput

que el creu capturat.

Aquí és el Nepal. La nit

del carrer Trajano Machado

és hieràtica, ingènua

com la nit sols suposada

dels carrers d’Addis Abeba.

Estic tot sol i tancat

dins de l’estupefacció  de tot

aquí como a Indonèsia.

I mai no haurà un altre món

més impossible, encantat

que el somiat pels meus ulls

d’infant arcaic

a un pati amb hort

del carrer Antônio Sabino, 532,

d’on mai no he emergit.

 

[Traducció: Joan Navarro] GEOGRAFIA


O mais ignoto interior de Madagáscar,
florestas do Ceilão, cúpulas remotas
do mais remoto Iêmen, canções
dos pássaros de Papua, segredos
do vento em Singapura, sinos
de aldeias da Iugoslávia, nada
chega a fazer-me mágoa
por não haver viajado,
por não poder viajar.
As ilhas Seychelles são aqui,
dentro de mim, não além.
Afago em imaginação
o panda, as flores absurdas
de uma selva das Guianas
e, a um milímetro do real,
sob meu corpo exíguo
e minha exígua geografia,
urram tigres do Paquistão.
O conhecido, em verdade,
nunca se dá a conhecer
senão ao erro vicioso
que o crê capturado.
Aqui é o Nepal. A noite
da rua Trajano Machado
é hierática, indevassa
como a noite só suposta
das ruas de Adis-Abeba.
Estou sozinho e encerrado
dentro do pasmo de tudo
aqui como na Indonésia.
E nunca haverá outro mundo
mais impossível, encantado
que o sonhado por meus olhos
de menino arcaico
num quintal com pomar
da Antônio Sabino, 532,
de onde nunca emergi.

(do Caderno Provinciano, meu livro de poesia, Patuá;SP, 2013)

 

 

 

Δ

 

 

Geografía

 

El más desconocido interior de Madagascar,

bosques de Ceilán, cúpulas remotas

del más remoto Yemen, canciones

de los pájaros de Papúa, secretos

del viento en Singapur, campanas

de aldeas de Yugoslavia, nada

consigue entristecerme

por no haber viajado,

por no poder viajar.

Las islas Seychelles están aquí,

dentro de mí, no allá.

Acaricio en la imaginación

el panda, las flores absurdas

de una selva de las Guayanas

y, a un milímetro de lo real,

bajo mi cuerpo exiguo

mi exigua geografía,

rugen tigres del Pakistán.

Lo conocido, en verdad,

nunca se da a conocer

sino al error corrompido

que lo cree capturado.

Aquí es el Nepal. La noche

de la calle Trajano Machado

es hierática, ingenua

como la noche solo supuesta

de las calles de Addis Abeba.

Estoy solo y encerrado

en la estupefacción  de todo

aquí como en Indonesia.

Y nunca habrá otro mundo

más imposible, encantado

que el soñado por mis ojos

de niño arcaico

en un patio con huerto

de la calle Antônio Sabino, 532,

de donde nunca he emergido.

 

[Traducción: Joan Navarro]

 GEOGRAFIA


O mais ignoto interior de Madagáscar,
florestas do Ceilão, cúpulas remotas
do mais remoto Iêmen, canções
dos pássaros de Papua, segredos
do vento em Singapura, sinos
de aldeias da Iugoslávia, nada
chega a fazer-me mágoa
por não haver viajado,
por não poder viajar.
As ilhas Seychelles são aqui,
dentro de mim, não além.
Afago em imaginação
o panda, as flores absurdas
de uma selva das Guianas
e, a um milímetro do real,
sob meu corpo exíguo
e minha exígua geografia,
urram tigres do Paquistão.
O conhecido, em verdade,
nunca se dá a conhecer
senão ao erro vicioso
que o crê capturado.
Aqui é o Nepal. A noite
da rua Trajano Machado
é hierática, indevassa
como a noite só suposta
das ruas de Adis-Abeba.
Estou sozinho e encerrado
dentro do pasmo de tudo
aqui como na Indonésia.
E nunca haverá outro mundo
mais impossível, encantado
que o sonhado por meus olhos
de menino arcaico
num quintal com pomar
da Antônio Sabino, 532,
de onde nunca emergi.

(do Caderno Provinciano, meu livro de poesia, Patuá;SP, 2013)

 

Δ

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