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[Murilo Mendes]

 

Hino do Deputado

O menino experimental

 

 

 

Hino do Deputado
Chora, meu filho, chora.
Ai, quem não chora não mama,

Quem não mama fica fraco,
Fica sem força pra vida,
A vida é luta renhida,
Não é sopa, é um buraco.

Se eu não tivesse chorado
Nunca teria mamado,
Não estava agora cantando,
Não teria um automóvel,
Estaria caceteado,
Assinando promissória,
Quem sabe venden do imóvel
A prestação ou sem ela,
Ou esperando algum tigre
Que talvez desse amanhã,
Ou dando um tiro no ouvido,
Ou sem albo, sem ouvido,
Sem pema, braço, nariz.

Chora, meu filho, chora,
Anteontem, ontem, hoje,
Depois de amanhã, amanhã.
Não dorme, filho, não dorme,
Se você toca a dormir
Outro passa na tua frente,
Carrega com a mamadeira.
Abre o olho bem aberto,
Abre a boca bem aberta,
Chore até não poder mais.

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O menino experimental

O menino experimental come as nádegas da avó e atira os ossos ao cachorro.
O menino experimental futuro inquisidor devora o livro e soletra o serrote.
O menino experimental não anda nas nuvens. Sabe escolher seus objetos. Adora a corda, o revólver, a tesoura, o martelo, o serrote, a torquês. Dança com eles. Conversa-os.
O menino experimental ateia fogo ao santuário para testar a competência dos bombeiros.
O menino experimental, declarando superado o manual de 1962, corrige o professor de fenomenologia.
O menino experimental confessa-se ateu e à-toa.
O menino experimental é desmamado no primeiro dia. Despreza Rômulo e Remo. Acha a loba uma galinha. No tempo do oco pré-natal gritava: "Champagne, mamãe! Depressa!"
O menino experimental decreta a alienação de Aristóteles. Expulsa-o da sua zona, só com a roupa do corpo e amordaçado.
O menino experimental repele as propostas da prima de dezoito anos chamando-a de bisavó.
O menino experimental escondendo os pincéis do pintor e trancando-o no vaso sanitário, obriga-o a fundar a pop art, única saída do impasse.
O menino experimental ensina a Vamp a amar. Dorme com o radar debaixo da cama.
O menino experimental, dos animais dó admite o tigre e o piloto do bombardeio. Deixa o cão mesmo feroz e o piloto civil às pulgas.
O menino experimental benze o relâmpago.
O menino experimental antefilma o acontecimento agressivo, o Apocalipse, fato do dia.
O menino experimental festeja seu terceiro aniversário convidando Jean Genet e Sofia Loren para jantar. Espetados na mesa três punhais acesos.
O menino experimental despede a televisão, ¿brinquedo para analfabetos, surdos, mudos, doentes, antinietzsches, padres, podres, croulants¿.
O menino experimental atira uma granada em forma de falo na mãe de Cristóvão Colombo, sepultado nas Américas.

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[Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro, Editora Nova  Aguilar, 1994]

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