Brecht

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[Al Berto 1948-1997 (Alberto Raposo Pidwell Tavares)]



 

 

Cromo
[Cromo]

 

levanta-te e obedece à criança que foste

[levántate y obedece al niño que fuiste]

 

arrumo papéis escritos para o último livro

 

 

Cromo  

 

andamos pelo mundo
experimentando a morte
dos brancos cabelos das palavras
atravessamos a vida com o nome do medo
e o consolo dalgum vinho que nos sustém
a urgência de escrever
não se sabe para quem

o fogo a seiva das plantas eivada de astros
a vida policopiada e distribuída assim
através da língua... gratuitamente
o amargo sabor deste país contaminado
as manchas de tinta na boca ferida dos tigres de papel

enquanto durmo à velocidade dos pipelines
esboço cromos para uma colecção de sonhos lunares
e ao acordar... a incoerente cidade odeia
quem deveria amar

o tempo escoa-se na música silente deste mar
ah meu amigo... como invejo essa tarde de fogo
em que apetecia morrer e voltar
 


[Salsugem]

 

 

Δ

 

 

Cromo

 

andamos por el mundo
experimentando la muerte
de los cabellos blancos de las palabras
atravesamos la vida con el nombre del miedo
y el consuelo de algún vino que nos sostiene
la urgencia de escribir
no se sabe para quien

el fuego la savia de las plantas vaciadas de astros
la vida multigrafiada y distribuida así
a través de la lengua gratuitamente
el amargo sabor de este país contaminado
las manchas de tinta en la boca herida de los tigres de papel


entre tanto duermo a la velocidad de los pipelines
esbozo cromos para una colección de sueños lunares
y al despertar la incoherente ciudad odia
a quien debería amar

el tiempo se escurre en la música silente de este mar
ah amigo mío como envidio esa tarde de fuego
en la que deseaba morir y volver

 

[Traducción: Nidia Hernández]

 

 

Δ

 

levanta-te e obedece à criança que foste

vai pelo deserto da idade onde a mentira

comendo a paisagem se expande dentro

destas pobres imagens desmanteladas

 

o voo das infelizes aves desprende-se  da terra

onde o corpo guardou o remoto canto  das luas

dos limos das areias e das primeiras águas

 

abre agora as pálpebras no quarto escuro

acorda o branco tigre pelo sangue terno do sono

não tenhas medo do dilúvio

onde o rapaz cresce deixa o cortante dia

entornar-se luminoso como um punhal

 

[O medo]

 

Δ

 

 

levántate y obedece al niño que fuiste
ve por el desierto de la edad donde la mentira
carcomiendo el paisaje se expande dentro
de estas pobres imágenes desmanteladas

el vuelo de aves infelices se desprende de la tierra
donde el cuerpo guardó el canto remoto de las lunas
de limos de arenas y de las primeras aguas

abre ahora los párpados en el cuarto oscuro
despierta el blanco tigre por la sangre tierna del sueño
no tengas miedo del diluvio
donde el muchacho crece deja el cortante día
esparcirse luminoso como un puñal

 

[Traducción: Sergio Ernesto Ríos]

 

 

Δ

 

arrumo papéis escritos para o último livro

com um tigre prodigioso cravado nos ombros

 

mantenho os dedos sujos de tinta vários dias

 

e sempre que não consigo escrever fumo devagar

encontro o tempo necessário para não fazer nada

 

de meu corpo corroído pela febre ergo-me

atravesso a sala

 

desligo a televisão que nunca vejo

junto à janela aberta

a mãe tece

 

a camisola em mal cardada

um vestígio de dor envolve-me

que acontecerá à minha sombra?

terei tempo de assobiar à morte?

terei tempo

de levar comigo a roupa de que mais gosto?

que horas são? além

perto da mãe

talvez não seja febre isto que me assola

 

pode ser um indício de peste

qualquer mal que alastra pela mansa noite

e contamina os dias fechados na desolação

 

não consigo imaginar que se morre sozinho

sem sombra sem doenças sem sangue

aterroriza-me pensar que não poderei levar

a camisola tecida pela mãe

na interminável luminosidade do mar

 

[Uma existência de papel]

 

 

Δ

 

 

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