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Frialdade
Os ombros vergam-se.
Sem fruto,
os ramos assinal,am o céu.
Quando choze
há um aposento de infinita nostalgia que se fecha
e ouve-se apenas a oscilação dos pêndulos.
Bate depressa o coração.
Um veleiro de sombras aproxima-se do naufrágio.
A maré baixa e sobe como o teu peito onde
um silencioso tigre assoma às cavernas.
Algures, longinquamente, ouvem-se os sinos
do fim da tarde.
Que arrepio,
que eco fúnebre chega às portas desta casa!
Δ
Frialdad
Se quiebran los hombros.
Sin fruto,
los ramos señalan el cielo.
Cuando llueve
hay un aposento de infinita nostalgia que se cierra
y se oye tan sólo la oscilación de los péndulos.
Late deprisa el corazón.
Un velero de sombra se acerca del naufragio.
La marea baja y sube como tu pecho donde
un silencioso tigre asoma a las cavernas.
En alguna parte, a lo lejos, se oyen las campanas
del atardecer.
¡Qué escalofrío,
qué eco fúnebre llega a las puertas de esta casa!
[Ahora
y en la hora de nuestra muerte, traducció d'Antón CastroOlifante
Ediciones de Poesía, Zaragoza, 2001]
Δ
Autoretrato
Sê quem lê,
decifrador de enigmas.
Folheia-me como uma árvore de folhas soltas,
se é Outono.
Todas as palavras mentem, no interior da sua
obscuridade.
Nada te prende ao verso,
aos seus ínvios caminhos,
às suas seduções de velha prostituta.
Que não cedas a essa luz de remotas lantejoulas,
às flores vivas que segura.
No intervalo das fontes,
nas imediações do rio, temível é a palavra, a
cólera de deus.
Se desceres os últimos degraus,
escutarás essa voz que ecoa nos labirintos e depois
só o fio através das cisternas -
ou talvez nas montanhas de fogo onde não suportarás
a claridade,
queimada de presságios.
Não oiças, não olhes:
ferem-te as palavras do deus e as suas garras de tigre
nos muros de um coração que não o teu:
devorado já pelas páginas que lês,
desprendendo-se das folhas e do outono,
batendo devagar.
Δ
Oração
Senhora nossa,
Senhora deste reino e deste assombro,
guardai
no vosso alto regaço de luminosidade rosas
aquele
cuja fé e cujo alento a vida destroçou.
Livrai-nos, Senhora nossa,
da hiena e do tigre e das nêsperas que
trazem a morte aos quintais,
debaixo da janela onde o corvo pousa e
volta sempre,
como sinal de pranto ou uma maldição.
[Biografia]
Δ
Apelo
Vem,
pelas altas sendas da terra, minha amada,
traz a magnólia dos paraísos perdidos,
e na garganta altiva um colar de orvalho
e âmbar,
vem, antes que seja tarde e
o tigre venha banhar-se na água azul dos
teus lagos,
resguarda o jasmim do teu corpo,
as suas doces colinas semeadas,
vem,
agora que já canta o invisível pássaro do
poema e das estrelas,
agora que estou só
no cais dos dias atlânticos e longos,
vem,
embarca neste veleiro que parte,
ninguém sabe para onde,
levando os teus olhos tristes que não
voltarei a ver.
Δ
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