Tabuleiro da rua
O peixe da angústia,
O mundo transparente.
Trago um belo pássaro por de tráas do cabelo.
Os tigres na calçada,
Ruas sem cor,
A tarde grávida de mim,
A tarde grávida de mim.
Unhas me cravam a pele de delicado metal.
Entre lama e estrelas é que se nada no céu,
Caminhar é ter falta de lugar.
Estou na minha avenida,
Eu vejo flores e choques elétricos.
Continuo me perdendo nas mesmas esquinas.
Palco iluminado.
Temos que nos recriar todos os dias.
[
Poemas para se ler ao meio-dia,
2007]
Δ
A eficácia dos tigres
A eficácia dos tigres é vir ao mundo de onde menos se espera, ou de um
escuro tão fundo que nenhum blecaute sonha alcançar. Os tigres necessitam da
noite para se preencherem, suas garras apontam para a lua. Tudo que é noite
traz seu prenúncio de tigre. Tudo que transborda traz sua ameaça de tigre.
Tigres são sacralizáveis, pessoas não.
Tigres eternizados andam depois da tenebrosa. Tigres pisam livres pelos
arredores dos prédios anônimos. Um tigre salta para dentro do tempo. Tigres
não toleram sofredores. Tigres não carregam a poeira dos séculos. Os tigres
reinventam a vida todos os dias.
Abrigar um tigre é como flutuar à deriva sem sair do lugar. É como se sentir
desplumado, espectador sem espetáculo, desastrado sem desastre, computador
sem dor alguma para computar. Enquanto sobrevivemos, eles cavam o ar,
prósperos e acessíveis. E quando os tigres invadem as cidades, será que são
eles que se humanizam, ou é na realidade, a humanidade que se tigrifica?
Os tigres são contra o charme luminoso da objetividade e do equilíbrio, do
rigor e da lucidez. Os tigres são pelas estruturas vivas pingando sangue. Os
tigres degolam os objetos úteis com tremenda paixão. Os tigres votam pela
beleza e a delicadeza dos acidentes. Os tigres sabem que toda rua é uma
metáfora. Os tigres acreditam no sexo matemático das coisas. Os tigres irão
cravar as garras no horizonte quando menos se esperar.
Seguir um tigre é como estilhaçar espelhos e não morrer. Não vos admireis se
tigres se deitarem na selva de vossos pés. Tigres perpétuos andam soltos
pelas jaulas das ruas.
Δ
Disfarce
Bem aqui no meio da descoberta do
que eu nunca vi, cores são esculpidas em texturas de lágrimas. Ofuscantes
alto-falantes suspendem o sol como guindaste. Poucos viram e quase ninguém
tentou ver os muros sendo derrubados, os grafites sendo apagados bem na tela
plana da calçada. Sabemos pouco do mistério ou quase nada. Eles fingiram que
não viam as avenidas de cal viva desfilando selva sob a faiscante cidade. A
ESSO nos prometeu uma lua oval e sua gasolina de tigre, mas os óculos
escuros não deram conta da mensagem. As fantasias foram queimadas bem logo
chegavam os jornais. A orelha de Van Gogh nos surgiu belíssima, mas tudo não
passou de um milagre. Esse filme nos invadiu muito antes e as surpresas
sabemos bem não duram mais do que uma via - láctea.
E quanto equívoco falseado de
fragmento e quantas bulas disfarçadas de sensibilidade? E quantos sorrisos
simulados de gentileza e quantos rubros negros disfarçados de tricolores? E
quanta auto-ajuda disfarçada de profundidade? E quantos corpos falseados de
pressa e quantos abismos disfarçados de alma? E quantas mulheres de
argamassa não se entregaram a estes falsos sedutores? E quantos beatniks de
butique? Falseados em teatro, falsificados em moda, disfarçados de tradição.
E quantas ausências travestidas de processo? E quanta moda travestida de
performance? Pouquíssimos viram as performances que realmente importavam.
Poucos viram o mistério.
Δ
|
entrada
| Llibre del Tigre |
sèrieAlfa
| varia |
Berliner
Mauer |