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[Augusto de Guimaraens Cavalcanti]

 

 

Tabuleiro da rua

A eficácia dos tigres

Disfarce

 

 

Tabuleiro da rua

 

O peixe da angústia,
O mundo transparente.
Trago um belo pássaro por de tráas do cabelo.

Os tigres na calçada,
Ruas sem cor,
A tarde grávida de mim,
A tarde grávida de mim.

Unhas me cravam a pele de delicado metal.

Entre lama e estrelas é que se nada no céu,
Caminhar é ter falta de lugar.
Estou na minha avenida,
Eu vejo flores e choques elétricos.

Continuo me perdendo nas mesmas esquinas.
Palco iluminado.
Temos que nos recriar todos os dias.

 

 

[ Poemas para se ler ao meio-dia, 2007]

 

 

Δ

 

 

A eficácia dos tigres

A eficácia dos tigres é vir ao mundo de onde menos se espera, ou de um escuro tão fundo que nenhum blecaute sonha alcançar. Os tigres necessitam da noite para se preencherem, suas garras apontam para a lua. Tudo que é noite traz seu prenúncio de tigre. Tudo que transborda traz sua ameaça de tigre. Tigres são sacralizáveis, pessoas não.

Tigres eternizados andam depois da tenebrosa. Tigres pisam livres pelos arredores dos prédios anônimos. Um tigre salta para dentro do tempo. Tigres não toleram sofredores. Tigres não carregam a poeira dos séculos. Os tigres reinventam a vida todos os dias.

Abrigar um tigre é como flutuar à deriva sem sair do lugar. É como se sentir desplumado, espectador sem espetáculo, desastrado sem desastre, computador sem dor alguma para computar. Enquanto sobrevivemos, eles cavam o ar, prósperos e acessíveis. E quando os tigres invadem as cidades, será que são eles que se humanizam, ou é na realidade, a humanidade que se tigrifica?

Os tigres são contra o charme luminoso da objetividade e do equilíbrio, do rigor e da lucidez. Os tigres são pelas estruturas vivas pingando sangue. Os tigres degolam os objetos úteis com tremenda paixão. Os tigres votam pela beleza e a delicadeza dos acidentes. Os tigres sabem que toda rua é uma metáfora. Os tigres acreditam no sexo matemático das coisas. Os tigres irão cravar as garras no horizonte quando menos se esperar.

Seguir um tigre é como estilhaçar espelhos e não morrer. Não vos admireis se tigres se deitarem na selva de vossos pés. Tigres perpétuos andam soltos pelas jaulas das ruas.

 

 

Δ

 

 

Disfarce

 

Bem aqui no meio da descoberta do que eu nunca vi, cores são esculpidas em texturas de lágrimas. Ofuscantes alto-falantes suspendem o sol como guindaste. Poucos viram e quase ninguém tentou ver os muros sendo derrubados, os grafites sendo apagados bem na tela plana da calçada. Sabemos pouco do mistério ou quase nada. Eles fingiram que não viam as avenidas de cal viva desfilando selva sob a faiscante cidade. A ESSO nos prometeu uma lua oval e sua gasolina de tigre, mas os óculos escuros não deram conta da mensagem. As fantasias foram queimadas bem logo chegavam os jornais. A orelha de Van Gogh nos surgiu belíssima, mas tudo não passou de um milagre. Esse filme nos invadiu muito antes e as surpresas sabemos bem não duram mais do que uma via - láctea.

 

E quanto equívoco falseado de fragmento e quantas bulas disfarçadas de sensibilidade? E quantos sorrisos simulados de gentileza e quantos rubros negros disfarçados de tricolores? E quanta auto-ajuda disfarçada de profundidade? E quantos corpos falseados de pressa e quantos abismos disfarçados de alma? E quantas mulheres de argamassa não se entregaram a estes falsos sedutores? E quantos beatniks de butique? Falseados em teatro, falsificados em moda, disfarçados de tradição. E quantas ausências travestidas de processo? E quanta moda travestida de performance? Pouquíssimos viram as performances que realmente importavam.

 

Poucos viram o mistério.

 

 

Δ

 

 

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