[Sophia de Mello Breyner Andresen]

 

 

 

Pirata

Sou o único homem a bordo do meu barco.

Os outros são monstros que não falam,

Tigres e ursos que amarrei aos remos,

E o meu desprezo reina sobre o mar.

 

Gosto de uivar no vento com os mastros


E de me abrir na brisa com as velas,


E há momentos que são quase esquecimento

Numa doçura imensa de regresso.

 

A minha pátria é onde o vento passa,

A minha amada é onde os roseirais dão flor,

O meu desejo é o rastro que ficou das aves,

E nunca acordo deste sonho e nunca durmo.

 

                                                       

 

Viagem

 

Naquele tempo era o Kaos

E as palavras do poema não irrompiam já como palmeiras

 

Por isso abandonou a cidade – o país natal

País perdendo dia a dia o seu rosto:

A pintura a cair das paredes – cães

Farejando o lixo –

Brutais os gestos – obscenas as palavras

De cada coisa a beleza destroçada

 

Por isso se evadiu e para Oriente

Navegou e de noite e lentamente

 

E um novo dia se abriu em sua frente

 

E era um país de tigres e palmeiras

Com em longínquo cismar adolescente

 

[Ilhas, Caminho, 2011]

 

 

 

 

 

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