[Renata Correia Botelho]

 

falhámos tudo: entregámos

os livros ao sepulcro

das estantes, ao amor

 

demos um colo de horas

certas, deixámos de abrir

janelas para cheirar a noite.

 

já nada nos lembra

que o poema só se forma

no fio da navalha.

 

[Um Circo no Nevoeiro, 2009]

 

 

tu que viste fiordes e corais,
que chegaste das palavras
subterrâneas e do que fica

por dizer, que aprendeste o silêncio
em várias línguas e atiraste um dia
a moeda ao ar para enganar

a morte, quantos verbos
queres mais para percorrer
esta narrativa inútil?

 

[Um Circo no Nevoeiro, 2009]

 

 

deus nos lírios

 

                                         para a minha mãe

 

sinto deus, todas as noites, nos lírios

de Monet. olham por mim,

por esta sombra incerta que morre

aos poucos comigo, cobrem

de seiva viva a escuridão da casa

e afastam os demónios

que se escondem nas frestas do sono.

 

pela manhã, junto as pétalas tenras

caídas no lençol, e rezo baixinho,

com os pardais, um verso branco.

 

[Revista «Telhados de Vidro» nº 12, Averno (Lisboa), Maio/ 2009]

 

 

quando prometemos dar às horas

o silêncio, fico no canto

da noite à escuta do primeiro

ruído que nos denuncie, como

cobra que se esconde

numa cadeira de praia.

 

 

[21 HAIKU COM ASAS, URBANO E CABRAS, 2008]

 

 

 

[Renata Correia Botelho nasceu em 1977 em S. Miguel, Açores. Em 2001 publicou Avulsos, Por Causa (edição de autor, fora do mercado), em 2008 21 HAIKU COM ASAS, URBANO E CABRAS, em parceria com Emanuel Jorge Botelho e Urbano, Galeria 111 (Lisboa) e em 2009 Um Circo no Nevoeiro (Averno). Tem colaboração nas revistas Magma e Telhados de Vidro.

 

 

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