[José Luís Tavares] |
Turner — Variação | |
Névoa; tensa matéria, porém; agudamente se fechando como pinças minerais sobre torres gráficas e o silêncio que as habita.
Seu bafo, tão-pouco o mole que há no cuspo, mas bala quase acesa; que apenas em drageias mínimas pode a vista suportar.
Desde esponjosas câmaras mil presságios anuncia, faz-se sombra e poterna (ou coisa ainda mais severa).
Segurá-la no limiar do vago, na rudeza limpa que a faz exata?, ou, por dentro, soletrar-lhe os nervos, lâmina de tão tensa?
Minha oficina é de triste operário moendo grossas moendas, sem o alinhavo das mineiras torres, nem o halo desse lúcido entardecer boreal.
Cena de cenizas
Não falaram do sentimento de orfandade que experimentam os corpos depois do amor. Numa curva da tarde — a curva da tarde é sempre um bom sítio para se discorrer sobre assuntos metafísicos — quando esfíngicos retornam os rebanhos e astronómica a medida da tristeza, disputaram os inumeráveis matizes da paixão.
Há um tumulto que avança à chuva que naufraga pelos cimos já sem luz. O garrote noturno cerca-os num combate sem armistício. De repente somos eu e tu à luz convalescente de um póstumo estio.
Que nunca conheças o amor com seus gumes malquerentes, seus palustres desenlaces distantes dos hipostasiados finais em que não reinam remorso ou culpa, ou a faca de um passado oxidado pelo pranto.
Oh, como o sabemos, nós que na mais transbordante estação, por campings litorais, à guilhotina dos abraços nos entregamos, à esquina lacerada do sol-posto onde raiam soluçantes lamparinas, cutelos do agreste adeus.
Eu queria apenas essas horas de bruma em que no pousio cinzento cessava o maligno rumor da intempérie e a voz do semeador naufragava por valados onde dançaste a bailia ao desamparo dos primeiros frios.
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